A HISTÓRIA DO REI


O Rei dos Frutos


Por: Rita Freitas

O Ananás adquiriu o título de Rei dos frutos não só pelo seu peculiar sabor agridoce, mas também porque tem levado o nome dos Açores a todos os cantos do mundo.
A variante do Ananás introduzida nos Açores na primeira década do século XIX é o Smoth-Cayenne, originária da América Central e do Sul.
Inicialmente foi utilizada como planta ornamental e cultivada em vasos em pequenas estufas por produtores abastados.
A necessidade de se substituir a cultura da laranja, afectada pela doença de gomose (Phythophtoro Sappa) foi o factor preponderante para o início de uma fase de experimentação encetada por José Bensaúde e Manuel Botelho de Gusmão.
Manuel Botelho de Gusmão constituí uma mais valia para a cultura de Ananás. Incansável nas suas experimentações e divulgação do processo de cultura.
O sucesso das suas experiências contribui para a exploração económica da cultura do Ananás.
A produção em estufas tornou-se necessária atendendo ao facto do clima das ilhas não ter as mesmas condições que das regiões de origem.
“Por analogia com o que se verifica em outras culturas conduzidas sob condições artificiais, em alguns países europeus com tradição em cultura de estufas, foi reconhecido desde logo a necessidade que o solo deveria dosear elevadas quantidades de material orgânico que obstasse a que a planta do Ananás sofresse de carências nutricionais, ao longo do seu ciclo vegetativo. Construíram-se então as primeiras estufas...” Açoreana 1997.
A “Leiva” manta superficial do solo rica em matéria orgânica que se encontra em terrenos incultos, constituia a “matéria - prima” principal da cultura do Ananás.
Após vários anos de experimentação os Micaelenses aperfeiçoariam a técnica da cultura.
O desenvolvimento da cultura do Ananás como actividade económica teve o seu início em 1864, após os magnificos preços obtidos com o envio de alguns ananases para Londres.
A cultura do Ananás teve um rápido incremento e desenvolvimento.
Passados apenas dez anos, em 1874 exportaram-se cerca de 17.000 frutos.
Em 1875 existiam estufas com capacidade para 40.000 plantas.A cultura do Ananás tomou um carácter industrial com o conhecimento dos efeitos provocados pelo fumo, actua sobre a respiração e assimilação da planta, promovendo uma antecipação da floração e consequentemente da frutificação e amadurecimento dos frutos. Esta descoberta deve-se a Botelho Gusmão.
Este iria contribuir para uma crescente exportação orientada para Inglaterra, Alemanha e Rússia, impondo um carácter industrial a esta cultura.
Em 1913 a receita bruta antigiu cerca de 200.000 libras.

Conjuturas que contribuíram para as crises da cultura de Ananás.

A primeira crise abateu-se sobre a cultura do Ananás com a I Guerra Mundial.
Voltando à normalidade anos mais tarde.
A cultura do Ananás atingiu os seus melhores resultados entre as duas guerras.
Ao eclodir a 2ª Guerra Mundial, os agricultores enfrentaram a pior crise de sempre. Os com menos recursos financeiros viram-se obrigados a vender as suas estufas ou a demoli-las, os produtores médios conduziram a cultura sem qualquer renovação dos aterros ou conservação das estufas.
Esta afectaria todas as actividades profissionais ligadas directamente à cultura do Ananás, tais como “estufeiros”, “leiveiros”, carroceiros, pedreiros, carpinteiros, pintores e trabalhadores rurais.
Dois anos após a guerra,reiniciou-se as exportações para Londres. Os preços praticados compensariam os agricultores que se esforçaram em manter a cultura.
No entanto a Inglaterra encontrava-se numa situação económica catastrófica, levando à imposição da proibição, por parte do governo, da importação de produtos de luxo.
Esta medida levaria os agricultores micaelenses a procurarem outros mercados para exportarem os seus produtos, a Bélgica, França, Alemanha, Suíça, Holanda, Suécia, Itália, Estados Unidos do Norte para além dos já tradicionais como Portugal Continental, Madeira e outras ilhas dos Açores foram o mercado alvo.A exportação atingiu, em 1949 e 1950 volumes da ordem dos 803.524 e 1.033.804 frutos respectivamente.
Uma nova conjuntura surgiria com a adaptação dos agricultores às novas exigências do mercado. A partir de 1940 tudo se conjugou para que os incultos fossem transformados em pastagem artificial, consequentemente a exploração de gado bovino leiteiro ocorreu.
A extracção de “leiva” era posta em causa, surgiam interrogações sobre preservação de uma superfície de incultos para a extracção da mesma.
Foram evidenciados esforços para encontrar matérias orgânicas que a substituíssem “Em 1964, criadas as condições mínimas, e sob a auspicia da então Estação Agrária de Ponta Delgada... Providenciamos os primeiros ensaios de prospecção, que visassem a completa substituição da “leiva” por outros desperdícios orgânicos... Ao fim de quatro anos, resultaram conclusões que apontavam para uma nova técnica cultural... a ramada de incenso e os subprodutos resultantes da exploração das matas, como aparas e serradura de madeiras, podiam substitui-la, com vantagens técnica e económicas, valorizando, por outro lado, aquele material que cresce nas zonas pedregosas... o uso destes materiais, na cultura do Ananás, pode contrariar a prática de extracção da “leiva”, responsável pela degradação acelarada dos solos de onde deriva...a introdução de outros materiais... os desperdícios da planta (caule, folhas e tocas rejeitadas)... em substituição da “leiva”, não afecta as características de vegetação e frutificação da planta, quer no que concerne ao desenvolvimento foliar, quer nas características físicas, químicas e organolépticas dos frutos obtidos...podemos também afirmar que os resultados das análises, a que se têm submetido alguns frutos, indicam que doseiam em teor de compostos aromáticos voláteis diferente e superior aos provenientes de outras origens...Açoreana - 1997.
As crises da cultura do Ananás e a importância desta na economia não foi descurada pelos governos, criaram-se decretos e portarias sempre com a finalidade de as atenuar e solucionar.

Os decretos e portarias Governamentais.
As protecções antes e após a adesão à C.E.

- Decreto nº 24.559 (publicado no Diário do Governo nº 244/2ª Série) de 17 de Outubro de 1934 - Criação da Delegação da Junta Nacional de Exportação de Frutas de S. Miguel. A sua principal função era disciplinar a indústria ananoseira.

- Decreto nº 24.581 (publicado no Diário do Governo nº 247/2ª Série) de 20 de Outubro de 1934 - Regulamentação da produção e comércio de exportação de Ananás.

- Decreto nº 29.584 (publicado no Diário do Governo nº 107/1ª Série) de 10 de Maio de 1939 - Proibição da construção de novas estufas, destinadas à produção de Ananás.
- Portaria nº 9370 (publicada no Diário do Governo nº 265/2ª Série) de 13 de Novembro de 1939 - A actividade dos cultivadores de ananases em regime de cultura forçada, na ilha de S. Miguel, passa a ser condicionada em função das possibilidades de escoamento dos produtos e a colocação nos mercados consumidores através de cotas.

- Decreto-Lei nº 504785 de 30 de Dezembro - Criação da Organização Nacional do Mercado do Ananás, protecção da produção Açoreana das concorrências de ananases de outras origens. No período de pré-adesão à C.E..

Após a adesão à Comunidade Económica estes mecanismos deixaram de poder ser aplicados. Procurou-se defender a produção Açoriana através de negociações de ajuda à produção no âmbito do POSEIMA e pela valorização da qualidade do produto através da criação da Marca Colectiva de Origem e posteriormente com a Denominação de Origem Protegida (D.O.P.) Baseada nos seus métodos tradicionais de produção (regulamento CEE 2081/92 do Conselho de 14 de Julho e Despachos do Secretário Regional da Agricultura e Pescas 2/94 e 3/97).

O reconhecimento da D.O.P. Foi requerido pela PROFRUTOS, compete-lhe cumprir com o Caderno de Especificações, no qual estão defenidas as regras de produção e comercialização.
Relativamente à produção o Caderno de Especificações dispunha no seu Artº 14 que um dos componentes a utilizar nas “camas quentes“ seria a “Leiva”, extraída em zonas protegidas.Em Dezembro de 1997 este seria alterado retirando a “Leiva” da cultura do Ananás. Sujacente a esta decisão estava a defesa do Património Natural.

Características das Estufas

As estufas são de formato rectangular, cobertas de vidros pintado com cal que mantêm a luminosidade e a temperatura ambiente tropical necessária para destilar a doçura e o desenvolvimento saudável do fruto, formam duas águas com uma inclinação aproximada de 33º e aquecidas apenas pelo sol.
Na parte superior da cobertura os “alboios”, que servem para regular a temperatura e a ventilação interior da estufa.
O interior da estufa é dividido por tabuleiros ou canteiros, separados ao meio por um canteiro de pedra, estes dividem-se em vãos, o espaço que vai de ferro a ferro do suporte da cobertura.

Como se processa a cultura do ANANÁS

A produção do ANANÁS necessita de cuidados muito especiais, segredos bem guardados pelos experientes estufeiros que os passam de geração em geração.

Cama das estufas

Tanto no estufim como na estufa é preparada uma cama. Estas são feitas com a sobreposição de várias camadas de terra velha, terra já utilizada noutras estufas, rica em matéria orgânica, mondas, folhas de ananases, fetos ervas e caruma de pinheiro, rama de incenseiro e farelo.
Os brolhos passam por um processo de desabrolho de delicados cuidados que tem uma durabilidade de seis meses.
Nos estufins, estufas mais pequenas, plantam-se as tocas a uma distância de 10 cm de intervalo entre cada uma e cobrem-se de terra.
Nos primeiros quinze dias rega-se diariamente, e depois alternadamente.
A temperatura do estufim neste período é de vital importância, deverá estar superior a 26º C subindo até os 38º C.Após um mês os brolhos despontam, desenvolvendo-se no estufim até seis meses.
As jovens plantas são então transplantadas para as estufas (dispostas de 50 cm umas das outras) sendo regadas até à fase de maturação, nas primeiras duas semanas a rega é diária.

O Processo do Fumo

Este tem por finalidade fazer florescer as plantas do ANANÁS todas ao mesmo tempo.
Três a quatro meses após a plantação inicia-se o processo de “fumo”. Este processa-se por um período de quatro a oito dias no Verão e de oito a quinze no Inverno e consiste na queima de aparas e verduras num recipiente próprio, estes são deixados no final do dia no interior das estufas.
No dia seguinte abrem-se as portas e os alboios das estufas para arejá-las.

Durabilidade da Cultura

O período completo da cultura, que vai desde a plantação dos brolhos até ao corte do fruto tem a duração de dezoito meses.

Rita Freitas